sexta-feira, 8 de outubro de 2010

LADO E - BILLIE HOLIDAY - LADY SINGS THE BLUES!

Neste vídeo, uma gravação antológica de “Fine and Mellow” em que a diva do Blues faz uma magistral interpretação e expõe toda a sua singela beleza e que deixava transparecer muita paz, acompanhada pelos grandes músicos da época e por um nipe de metais capitaneados pelo sax bêbado do saxofonista Ben Webster e um sexteto fantástico, formado pelos músicos Coleman Hawkins, Lester Young, Gerry Mulligan, Vic Dickenson, Roy Eldridge, os melhores músicos e que acompanhavam os grandes artistas da época.
Billie refletia em sua música o caráter atribulado de sua trajetória. Nascida em 1915, quando sua mãe era ainda uma adolescente, Eleonora Fagan Gough - seu nome verdadeiro - teve infância pobre, sofreu abusos sexuais e chegou a prostituir-se na adolescência. Começou a cantar no início dos anos 1930, em nightclubs nova-iorquinos, foi descoberta pelo produtor John Hammond e consagrou-se depois em apresentações com as orquestras de Duke Ellington e Artie Shaw, mas sua vida pessoal seguiu conturbada. Billie contabilizou episódios de depressão, decepções amorosas e vício em álcool e heroína, o qual, inclusive, levou-a à prisão, por porte de drogas. Morreu de cirrose aos 44 anos em 17 de julho de 1959.


"Billie Holiday cantava como uma deusa e sabia disso. Uma deusa não arranha sua divindade com movimentos prosaicos diante dos mortais. Sua voz deve bastar. Por isso Billie cantava imóvel, quase como uma estátua.
Não deixava que seu corpo se entregasse à canção. Com os braços retos em direção ao chão, dava, no máximo, tapinhas de leve na coxa com a mão direita, estalava silenciosamente os dedos da mão esquerda e marcava o ritmo quase imperceptivelmente com o pé.
À luz azulada da boate, era como se estivesse plantada sobre um pedestal. Às vezes inclinava suavemente a cabeça - não para dirigir-se à platéia, mas para comunicar-se com seus músicos pelo olhar.
Eles entendiam esse olhar: podia ser de aprovação, de prazer, até de gozo supremo. Ela era um deles e falavam uma linguagem de adoração mútua.
Se uma mesa de estranhos, não iniciados no culto, conversasse ou perturbasse a música com seus drinques e talheres, o garçom se aproximava e sussurrava ao ouvido do que parecesse o maioral: "Lady lamenta que os senhores não estejam gostando. por favor, paguem e saiam..."
Lady era Billie Holiday. Lady Day.
Lady cantava devagar, arrastando a voz em relação ao andamento do piano, sem pressa de acompanhá-lo. Quando cantava "Strange Fruit", a canção que falava de negros pendurados nas árvores como frutos para os corvos - tema de encerramento de seus shows desde 1939 - o silêncio esmagava a sala.
O serviço era interrompido, os garçons postavam-se nos cantos, o barman pousava a coqueteleira.
As luzes se apagavam, exceto por um spot sobre sua cabeça e as lágrimas que ela invariavelmente produzia escorriam-lhe como prata sobre o rosto. Sua platéia também chorava, mas engolia o choro.
As palmas explodiam, mas Lady ignorava os gritos de bis e não se curvava para agradecer. Virava-se e saía devagar em direção ao camarim, tão devagar quanto cantava, caminhando com imperial dignidade.
As luzes se acendiam aos poucos, mas o ambiente ficava impregnado de de "Strange Fruit" - e de Lady Day.
Lady mesmo, da cabeça aos pés."

(Ruy Castro, excertos)

(Video, You Tube)

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